quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A despedida - (José Mattos)



 

Caminhava com o olhar preso nas pontas dos sapatos, corpo oscilante. Depois de muitas voltas sob as ramagens agitadas dos arvoredos, deteve-se por um momento, e sentiu voltar a si mesma.  Espiou detidamente a cruz fincada na relva entre duas velas bruxuleantes. Trazia o lenço preso nos dedos por uma das pontas. Mais além, a seara de penacho dourado, que se estendia como se fosse um imenso campo de arrozal maduro, tremulava sob um céu límpido ao mais leve bafejo da brisa vespertina.  A lágrima amarga escorreu para um canto da boca.  O rosto descorado lentamente buscou uma resposta na lonjura plácida do céu azul.   Recostou-se na figueira secular. Silenciosamente as aves tracejavam caminhos invisíveis e desapareciam nos suspensos vales prenhes de mistérios. 
O vento caprichoso trazia o cheiro das velas ardidas – certa paz lhe invadiu gostosamente. A solidão do momento oprimiu o espírito, obscurecendo os pensamentos. Visões transfiguradas acompanharam-na pelo limiar do desconhecido; sentiu-se embrutecida, e de seu estado nebuloso nasceu a cisma. Em meio à contemplação fantasmagórica, sentiu os sentidos esvaziarem.  Nova lufada do vento – esse ser invisível – despertou-a subitamente daquele letargo. 
Recolheu ao pescoço o terço que tinha entre os dedos; seus joelhos fenderam a terra fria e úmida, as velas foram reavivadas: “Adeus, meu querido, adeus. Casar-me-ei novamente, quando cessar o vento que canta”. Recompôs-se Os pés bambos amassaram o charco, o lenço branco acenou um adeus, atrelado à cruz.


Um comentário:

Tom Torres disse...

Beeza, dom José das Onças!

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