quinta-feira, 2 de maio de 2013

Guerreiro Ollantay



O chefe Ollantay era um valente guerreiro andino e herói do povo Tauantinsuyo. Apaixonou-se alucinadamente pela princesa Coyllur, herdeira do império Inca, filha do Rei Tupac Yupanqui. Coyllur era uma jovem doce e sonhadora que ambicionava romper com o distanciamento entre o governante e o povo. Indispunha-se com o próprio pai na tentativa de demovê-lo de sua política de governo, uma forma opressiva e fechada, uma grande ameaça para o futuro do Império, segundo ela. A forma de evolução era a abertura para o conhecimento e o estreitamento entre o povo e o reino. Era essa aproximação o modo ideal para que a tão rica cultura Inca não se precipitasse em decadência em um futuro não muito longínquo – pensando assim, Coyllur tornou-se uma rebelde.
Como era proibida de sair, arquitetou sua fuga disfarçada de arrumadeira do castelo. Perambulou pelas ruas íngremes calçadas com pedras brutas escorregadias pela umidade, pelo limo. Estava a observar uma festa popular quando se deparou com um guerreiro andino que lhe chamou a atenção: ele discursava para um grupo de rebeldes. Estava debruçado numa mesa rústica de madeira, dessas que serviam para os camponeses da região negociarem suas mercadorias. Ficou encantada com a eloquência do guerreiro, com suas palavras. Exaltava a liberdade e a igualdade entre os povos. Seus olhares se cruzaram. E ela teve certeza de que se deparara com um grande homem. Seu coração alegrou-se como o pássaro na primavera.
Ollantay – relâmpago de percepção que só os encantados recebem, atingidos em pleno peito –, percebeu, quando o olhar da moça buscou o seu, e o modo como sua face enrubesceu, que seu sentimento era correspondido. Diante da presença de sua amada, pasmou-se de enamoramento. Nunca a tivera tão ao seu alcance. Sua eloquência empacou como uma burra sestrosa. Pulou do tablado. Era tarde demais. A moça misturara-se em meio à multidão. Então ele voltou a discursar. Sua voz ficara mais fervorosa. Sua tez corara consideravelmente. Sua vibração atingiu um estágio diante do qual uma ovação irrompeu estrepitosa.
Tal romance era proibido pela lei suprema Inca, dado que nunca uma donzela de sangue real poderia se casar com um homem do povo. Seria um enlace extremamente desastroso, dado que abismal, às vistas da cultura. A linhagem real comportava-se acima do povo: igualava-se aos deuses. O império Inca sempre foi um mundo interno, blindado. E o povo somente aspirava participar de sua história como meros súditos ou cúmplices. Tupac Yupanqui, tomando conhecimento do sentimento da filha, providenciou para que fosse ela encerrada em um calabouço. Acreditava que assim evitaria que a paixão usurpasse a razão de sua herdeira e servisse como arma de fuga em busca do amado.
Ollantay, ao saber do ocorrido, abandonou o povoado Tauantinsuyo disposto a tudo para libertar o grande amor da clausura. Armou-se de sua espada mágica, que possuía poderes totêmicos: a elasticidade da serpente, a astúcia do lobo, a visão do condor e a dureza da rocha guiavam o guerreiro em suas vitoriosas batalhas. Com muita garra, banhou a lâmina de sangue: invadiu a fortaleza Inca, resgatou Coyllur e fugiram para a floresta. Durante a fuga, seu alazão, que tinha a testa estrelada e as patas brancas, foi abatido por flechas venenosas. Preocupado com a jovem, que rolara na queda, não viu que sua espada se desprendera da bainha no solavanco. Em carreira tamanha, rasgando mato no destemido tórax, Ollantay caminhou com a eleita sobre os ombros.
De súbito, uma visão prateada cercou-lhe a passagem. As águas reverberaram os raios de sol, os reflexos cegaram-lhe a vista. Tomou pé de si e deslizou sua escolhida para o chão. Foi quando prorrompeu o tropel da cavalaria relinchando e estalando galhos. Viu-se acuado. Num gesto instintivo, próprio de intrépidos guerreiros, buscou sem sucesso a espada junto à cintura. Foi do espanto ao desespero ao ver-se abandonado pela fiel guardiã. Sem esperanças, deteve os olhos na silhueta feminina ajoelhada adiante de si: tinha o olhar perdido nas águas. Num instante o rio ficou repleto de folhas redondas, com bordas viradas para cima. Eram vitórias-régias que atingiam mais de três metros de diâmetro.
Num salto arrojado, agarrou novamente Coyllur, dessa vez pela cintura, e jogaram-se nas costas da vitória-régia Rainha que placidamente deslizou rumo à outra margem do rio. Sentiu um alívio momentâneo. Pela primeira vez buscou os olhos daquela que ajudava seu coração a bater mais forte. O assombro foi grande ao deparar-se com o olhar macilento incrustado no rosto cadavérico do velho feiticeiro do Império. Aparecera sentado ao seu lado. Desatinado, voltou-se para a margem que ficara para trás, às suas costas, ainda a tempo de contemplar Coyllur envolta em uma poça de sangue, estirada na margem.
A sua fiel espada reluzia, brandida pelo carrasco do reino. Degolara um sonho de amor, um desejo de liberdade. O Império Inca morreu sem parir a sua fantástica cultura, até hoje misteriosa. O sangue real turvou a areia branca da praia e agitou a calmaria das águas. Ollantay tentara gritar, mas a sua voz não obedecera. Uma espécie de deslumbramento turvou para sempre as vistas.

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